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Acesso às tecnologias poupadoras de mão de obra promove empoderamento feminino rural e fortalece a produção de famílias agricultoras no semiárido nordestino


Mais de 80 tecnologias poupadoras de mão de obra foram viabilizadas para expandir e modernizar o cultivo do algodão e de produtos consorciados, além de auxiliar no fortalecimento da atividade feminina rural no sertão do Nordeste brasileiro

Com a chegada das primeiras chuvas do ano é hora de preparar o solo e plantar. E cada minuto gasto para o preparo da terra envolve dedicação, suor, força e uma certa familiaridade com o manejo no roçado, vivência que já começou bem cedo para Dona Socorro, que reside no assentamento Laranjeiras, município de Parnamirim, localizado no Sertão do Araripe pernambucano. “Eu nasci e me criei na roça. Com 8 anos eu já ajudava meu pai que era produtor de algodão. Ele plantava e a gente ia com ele até chegar o tempo da safra. Eu gosto de trabalhar na roça e tenho uma identidade muito grande com a agricultura”, afirma.

Desde então, já são passados mais de 45 anos de envolvimento com o roçado e Dona Socorro cultivou o amor pelo tratamento da terra que resultou até em casamento. “Me casei com filho de agricultor que também é agricultor. Hoje meus filhos são formados e trabalham na área da agricultura”, diz.  É nesse cenário de pertencimento aos aspectos do manejo com o solo que Dona Socorro agora tem uma nova aliada na sua rotina na roça, que segundo ela, mudou a sua história.

Agricultora Dona Socorro e seu esposo (Sr. Chico) em plantação de algodão consorciado no sertão do Araripe/PE

A tal transformação diz respeito à chegada das tecnologias poupadoras de mão de obra para as famílias vinculadas às Unidades de Aprendizagem e Pesquisa Participativa (UAPs) da Associação de Agricultores e Agricultoras do Território do Araripe (Ecoararipe/PE), um organismo de avaliação da conformidade orgânica (OPAC) que avalia a qualidade orgânica nas unidades familiares produtivas para geração do selo brasileiro orgânico, a partir do credenciamento do Ministério da Agricultura Abastecimento e Pecuária (MAPA), que integra o Projeto Algodão em Consórcios Agroecológicos, coordenado pela Diaconia e em parceria com as ONGs Caatinga e Chapada. “Com o microtrator a gente prepara a terra no tempo certo das chuvas, que aqui são poucas. Além de ajudar muito e mudar a minha história, ele diminui a questão da mão de obra e de recursos, pois é bem econômica. Também deixa o benefício na terra que fica fértil, já com o trator grande fica compactada”, explica Dona Socorro.

Agricultora Dona Socorro utilizando o microtrator entregue pelo Projeto

Entre as culturas alimentares que são produzidas em consórcio com o algodão no roçado de Dona Socorro estão o milho, feijão, amendoim, gergelim, batata doce, macaxeira, melancia, abóbora, jerimum, entre outras. “Aqui para nós mudou toda a história. Nunca a gente tinha preparado a terra e plantado porque ano passado a gente não plantou por falta de máquina para preparar a terra, mas nesse ano a gente já arou e já plantou”, diz Dona Socorro, que além de agricultora também é a presidenta da Ecoararipe/PE.

Já para o agricultor multiplicador e secretário da Ecoararipe, José Edjunho Tavares, a chegada das tecnologias poupadoras de mão de obra gerou economia na plantação dos consórcios com o algodão na UAP Miunça em Santa Cruz – PE. “Eu plantei uma saca de milho e gastamos 25kg somente. Então a gente teve uma economia de mais de 60% porque as plantadeiras agilizam e geram a economia de sementes, o que é bem importante para nós. Então o Projeto Algodão através da Diaconia vem agregando muito com esses auxílios das tecnologias para ajudar na mão de obra que tem sido muito escassa no campo”, afirma.

Agricultor Edjunho Tavares utilizando plantadeira entregue pelo Projeto

Já Francisco Barbosa, conhecido como Seu Nego, que reside no município de Exu, sertão do Araripe/PE, é agricultor multiplicador desde 2019 e tem a responsabilidade de cuidar dos equipamentos entregues à sua UAP, assim como transmitir os conhecimentos sobre o manejo da agricultura familiar para outros agricultores e agricultoras a partir das formações do Projeto Algodão em Consórcios Agroecológicos. Ele considera o microtrator como fundamental para o seu cotidiano. “Para mim ele é meu braço direito. Antes de ter o tratorito todo serviço era braçal, muito cansativo e a gente não desenvolvia no tempo certo. E o tratorito tem várias funções, chegando a fazer até mais de 70% do serviço braçal, então deu para produzir bem mais e aumentar meu roçado”, comemora.

Agricultor Francisco utilizando o microtrator entregue pelo Projeto

Já no Cariri Paraibano a realidade das altas temperaturas não impede que o plantio de José Luíz, que reside no assentamento Juá, município de Taperoá – PB, seja diferente. Os seus cinco hectares de terra que produzem milho, feijão, gergelim, fava, melancia, jerimum, goiaba, coco, caju, pinha e acerola também já contam com as utilidades do microtrator para otimização da qualidade da terra.  “Melhorou muito a questão do solo. Ao invés dele fazer como o trator e revirar a parte orgânica de cima e jogar pra baixo, ele traça tudo em cima da capa da terra. Ou seja, aquela matéria orgânica que está na terra ele quebra tudo miudinho e deixa ali em cima do solo, contribuindo para a terra ficar mais fértil, além de ser mais rápido pra limpar o mato. Você consegue cortar em torno de 1 hectare por dia e é bem econômico, talvez eu gaste aí 4 litros de óleo diesel por dia”, explica seu Luíz.

Agricultor Luíz utilizando microtrator para preparo da terra

Além do reconhecimento das contribuições dessas tecnologias para otimização do trabalho rural, existem outros agricultores e agricultoras que estão rompendo barreiras até mesmo culturais e utilizando as ferramentas para aprimorar seu trabalho. É o que relata a assessora técnica do Centro Dom José Brandão de Castro (CDJBC), Engenheira Agrônoma e Mestre em Desenvolvimento Rural, Bayne Ribeiro, cuja atuação tem sido na Associação de Certificação Orgânica Participativa de Agricultores e Agricultoras do Alto Sertão de Sergipe (ACOPSE). “O processo de inserção dessas tecnologias é inédito na agricultura familiar. É um momento de desafios e aceitação. Às vezes as questões culturais estão impregnadas ali e fazem parte da vivência do agricultor. Mas as tecnologias têm quebrado um pouco da resistência quando eles e elas começam a testar e ver a diferença na qualidade do trabalho do campo. Esse momento é muito necessário e o projeto Algodão pela Diaconia está fazendo história pela metodologia, forma de pensar e construir junto com o agricultor e a agricultora”, explica Bayne.

Tecnologia e mulheres no campo – O acesso às tecnologias poupadoras de mão de obra nas UAPs possibilita a experimentação e construção de conhecimentos sobre a produtividade no campo, principalmente para as mulheres que na maioria das vezes são as principais responsáveis pela renda familiar. Diante disso, a assessora técnica acredita que o uso dos equipamentos pelas mulheres camponesas é um ato de transformação e de fortalecimento do trabalho feminino no campo. “Eu enxergo como um ato revolucionário. É uma resistência e resposta à vida dessas mulheres que gostam de estar e de trabalhar no campo. Então os equipamentos para elas é um ganho e avanço enorme na realidade rural. Isso facilitou demais a qualidade de vida, diminuindo o tempo de trabalho e o esforço, até porque elas têm uma jornada de trabalho maior ainda existente nas nossas vidas de mulheres, e os equipamentos auxiliam nessa dimensão”, afirma.

Além do microtrator que auxilia no preparo da terra, existe um conjunto de outras tecnologias que dão suporte no processo de semeadura, manejo das plantas espontâneas e colheita. São eles as plantadeiras, moto cultivadores e roçadeiras e colheitadeiras aspiradoras à gasolina, respectivamente. Nesse sentido, o projeto já viabilizou mais de 80 desses equipamentos através de parceria com o projeto AKSAAM/UFV/IPPDS/FUNARBE no Piauí e Sergipe, que é financiado pelo Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) – Organização das Nações Unidas (ONU); e do Fundo de Investimento Produtivo e Ambiental (FIPA) através da Laudes Foundation, para os demais territórios (5) do semiárido nordestino contemplados pelo projeto.

“A mão de obra na agricultura familiar é muito intensa e penaliza principalmente as mulheres, que se dedicam mais na mão de obra intensiva. Por isso que o FIDA dedica bastante atenção ao financiamento de tecnologias adaptadas à modernização da produção da agricultura familiar, para que possa aliviar a penalização da carga do envolvimento da mão de obra na produção e que com isso as mulheres possam se dedicar a outras questões como à própria gestão da associação, além de ter mais tempo para seu trabalho e sua família. Isso impacta diretamente no aumento da renda dessas agricultoras”, afirma o oficial de programas do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) – Organização das Nações Unidas (ONU) no Brasil, Hardi Vieira.

Hardi Vieira, Oficial de Programadas do FIDA no Brasil

Já segundo o coordenador do Projeto Algodão em Consórcios Agroecológicos da Diaconia, Fábio Santiago, “a ideia é que nas unidades demonstrativas de aprendizagem e pesquisa, possamos avaliar o uso dessas tecnologias poupando mão de obra. Isso é extremamente estratégico, principalmente no semiárido nordestino, onde cerca de 70% a 80% das chuvas são concentradas em quatro ou cinco meses. Então gerar a autonomia das famílias agricultoras para o plantio nas primeiras chuvas é extremamente importante tanto no ponto de vista sanitário, quanto de melhor aproveitamento das águas”.

Fábio Santiago, coordenador do Projeto Algodão em Consórcios Agroecológicos/ Diaconia, em visita ao Assentamento Sítio Teiú, sertão do Araripe/PE

Outra contribuição do acesso às tecnologias poupadoras de mão de obra é a geração de proximidade das famílias agricultoras aos mercados. “Um dos componentes do AKSAAM é propiciar o acesso e o uso de tecnologias adaptadas para melhorar a produtividade, acessar mercados e trazer sustentabilidade às atividades rurais em regiões de maior vulnerabilidade social e ambiental. Um dos grandes gargalos dos agricultores e agricultoras em situação de vulnerabilidade é a falta de escala na produção, por apresentarem baixa produtividade da terra e da mão de obra. A disponibilização de tecnologias poupadoras de mão de obra apresenta-se como promissoras no aumento da produtividade, contribuindo para o aumento da renda das famílias, na medida em que conseguem disponibilizar maior produção para o mercado mantendo a quantidade atual de trabalhadores”, explica o coordenador do AKSAAM, professor Marcelo Braga.

Professor Marcelo Braga, coordenador do AKSAAM

Qualidade do solo e dos alimentos orgânicos – Os benefícios trazidos para a qualidade do solo com o uso dessas tecnologias são explicados por Fábio Santiago, que também é Doutor em Engenharia Agrícola.  “O trator levanta e inverte a camada do solo. Já com o tratorito a ideia é completamente diferente. É não levantar a terra, não inverter a camada mais fértil. Essas tecnologias poupadoras de mão de obra fazem com que a matéria orgânica fique na superfície do solo e seja mineralizada, liberando nutrientes e retendo mais água para os cultivos do algodão consorciado. Então é outra forma de preparar a terra com menos impacto, além de fazer com que mais famílias agricultoras possam ter acesso a essa tecnologia adaptada e em diálogo com o clima do semiárido”, diz.

Dessa forma, a partir da parceria com o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) – Organização das Nações Unidas (ONU), através do AKASAAM/IPPDS/UFV/FUNARBE, assim como do Fundo de Investimento Produtivo e Ambiental (FIPA), acredita-se que será possível contemplar ainda mais famílias agricultoras com essas tecnologias. “A ideia é que a gente na segunda fase amplie o alcance. Na primeira fase, cada núcleo tem um kit que está sendo testado. A medida em que as tecnologias vão avançando, a gente deseja investir em maior acesso para que as famílias agricultoras possam usufruir em curto espaço de tempo das tecnologias adaptadas ao semiárido do nordeste do Brasil”, afirma Santiago.

Ainda segundo o oficial de programas do FIDA no Brasil, a utilidade desses equipamentos é direcionada para suprir a carência de demandas do pequeno agricultor, cujos benefícios poderão ser sentidos pela população em geral. “Com as tecnologias poupadoras de mão de obra você não só acelera a produção, mas alivia a carga de trabalho e melhora a produção. Então a qualidade é maior e com isso você obtém maior renda. Toda a população sai ganhando com os produtos da agricultura familiar que são de alta qualidade”, considera Hardi Vieira.

Projeto Algodão em Consórcios Agroecológicos – É uma iniciativa coordenada por Diaconia, em parceria estratégica com a Universidade Federal de Sergipe (UFS, Campus Sertão – Nossa Senhora da Glória/SE). O Projeto conta com o apoio financeiro da Laudes Foundation, da Inter-American Foundation (IAF) e do FIDA/AKSAAM/UFV/IPPDS/FUNARBE. O Projeto ainda é parceiro com o Projeto + Algodão – FAO/MRE-ABC/Governo do Paraguai/IBA. Para a execução do Projeto nos territórios, a Diaconia estabeleceu parcerias com ONGs locais com experiência em Agroecologia que serão responsáveis pelo assessoramento técnico para fortalecer os Organismos Participativos de Avaliação da Conformidade Orgânico (OPACs) e a produção agroecológica. No Sertão do Piauí, a Cáritas Diocesana de São Raimundo Nonato desenvolve as atividades na Serra da Capivara. No Sertão do Cariri, na Paraíba, o trabalho está sendo realizado pela Arribaçã, tendo ainda a parceria com o CEOP – Território do Curimataú/Seridó da Paraíba. No Sertão do Araripe, em Pernambuco, as ONGS CAATINGA e Chapada assumiram conjuntamente as ações do Projeto. As atividades no Alto Sertão de Alagoas e no Alto Sertão de Sergipe estão a cargo do Instituto Palmas e do Centro Dom José Brandão de Castro (CDJBC), respectivamente. No Sertão do Pajeú (PE) e no Oeste Potiguar (RN), territórios onde a Diaconia já mantém escritórios e atividades, ela mesma se encarrega da implementação das ações locais do Projeto e parceria com CPT – RN.