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Algodão com certificação orgânica participativa é testado para ser comercializado em fios


Atualmente vendido em pluma com certificação orgânica participativa, o algodão cultivado pela agricultura familiar de centenas de famílias nordestinas poderá ser vendido em novelos para a indústria têxtil. Transformação agrega valor para as famílias agricultoras 

O algodão com certificação orgânica participativa produzido pela agricultura familiar está dando um novo passo dentro da cadeia de produção do setor têxtil. A partir de uma parceria entre a Diaconia e o Senai Têxtil e Confecções (PB), a pluma orgânica de algodão do território do Sertão do Apodi (RN) está sendo transformada em fios. Essa iniciativa ainda está em período de testes e estudos técnicos para mensurar o quanto esse beneficiamento poderá agregar valor ao trabalho dos agricultores e agricultoras e qual o potencial de abrir novos mercados para esse setor produtivo. Avanços importantes para o empoderamento e geração de renda para agricultura familiar.

Primeiros fardos de algodão em pluma do Sertão do Apodi (RN) já foram transformados em fio no Senai Têxtil e Confecções, na Paraíba.

Os primeiros novelos do algodão produzidos pelos agricultores e agricultoras da Associação de Certificação Orgânica Participativa do Sertão do Apodi (ACOPASA) já foram processados e seguem agora para São Paulo. Os fios passarão por análise da empresa francesa VEJA/VERT, que adquire a produção para confecção de tênis. A marca francesa atua no mercado justo mundial e pretende comprar o fio industrializado das famílias agricultoras. A Acopasa é um Organismo de Avaliação da Conformidade Orgânica (OPAC) no Rio Grande do Norte, que certifica a produção a partir das exigências da legislação brasileira de orgânicos. A produção de algodão nas unidades familiares produtivas é realizada em consórcios com culturas alimentares e forrageiras, onde o algodão deve ocupar no máximo 50% da área.

“Estamos fazendo esse projeto piloto com o processamento de três fardos de algodão, que representam 268 quilos, em fios. Essa transformação da pluma no fio 12/1, que tem uma maior demanda do mercado, representará um grande salto para a ACOPASA, que passará a vender um produto de maior valor agregado”, afirma Hesteólivia Shyrlley, técnica de Diaconia, que assessora as famílias agricultoras participantes do projeto no território do Apodi (RN).  

A expectativa é que o beneficiamento do algodão em fio aumente a renda das centenas de famílias agricultoras

Antes dessa experiência piloto, a produção do algodão com certificação orgânica participativa da agricultura familiar no Nordeste já tinha dado um passo importante, que foi a separação da pluma de algodão do caroço a partir de máquina descaroçadeira e prensa para a produção de fardos.  “Anteriormente, agricultores e agricultoras vendiam o algodão em rama (pluma + caroço) para os atravessadores, que faziam o descaroçamento, a fiação e os demais processos”, explica Fábio Santiago, que é coordenador do projeto Algodão em Consórcios Agroecológicos. A transformação da pluma em fio, portanto, será a segunda etapa na cadeia produtiva têxtil alcançada pelas famílias agricultoras.

Além de aumentar o valor que deve ser pago aos agricultores e agricultoras, ao comercializar os novelos, há uma expectativa de que o fio orgânico possa chegar também a novos compradores. “Isso abrirá o mercado para outras empresas, além de gerar esse efeito de agregar valor e incluir mais famílias agricultoras”, comenta Fábio Santiago. “Estamos estudando para analisar os ganhos e os possíveis problemas dessa nova etapa de beneficiamento do algodão. Nosso objetivo será de potencializar a inclusão de mais famílias agricultoras no Semiárido do Nordeste do Brasil, visando geração de renda e contribuição para o meio ambiente”, explica o coordenador.

Representantes da ACOPASA, ECOARARIPE, Diaconia e SENAI PB comemoram o processo

Para o gerente de tecnologia do Instituto Senai de Tecnologia  Têxtil e Confecção, Luís Sávio, é constatação real que o algodão com certificação orgânica participativa , tem um grande mercado no exterior, principalmente no continente europeu.” O grande gargalo hoje, do segmento, é a falta de interesse, por parte dos empresários, sobretudo no processo de fiação. Primeiro, pelas dificuldades inerentes ao produto, por se tratar de fibras muito curtas, o naturalmente colorido, por exemplo, gira em torno de 23 mm, dificulta muito o processo nos filatórios. Depois, pelo baixo volume de produção anual, se torna inviável para o empresário, fiar um algodão naturalmente colorido, tendo em vista o elevado tempo de “setup” para limpeza das tubulações da sala de abertura, não compensando os prejuízos. No entanto, o algodão orgânico produzido pelas famílias agricultoras da ACOPSA é de cor branca e com comprimento de fibra em média de 32 mm, que pode ser fiada sem qualquer problema operação nos filatórios existentes.

É nesse viés que o Instituto Senai surge como solução, com toda sua estrutura. Outro ponto importante, nesta parceria do Senai é tornar o valor agregado mais atrativo, com a transformação da pluma de algodão orgânico em fio. Tendo como principal consequência, o incentivo a entrada de novas famílias agricultoras a cadeia produtiva do algodão orgânico” Ele conta, com satisfação, que em 2020, apesar da pandemia, foram exportados mais de meia tonelada de fio de algodão para uma empresa alemã e em 2021, o vestuário confeccionado com esses fios, terá destaque na feira Premier Vision, em Paris, na feira de Milão e de Dubai.

A expectativa é que, após passar pelo período de testes e se confirmando a viabilidade e as vantagens desse processo produtivo, essa experiência vivida no território do Sertão do Apodi – RN seja replicada nos 7 territórios e 6 estados do Nordeste no âmbito de atuação do projeto. Atualmente 58 agricultores e agricultoras atuam no Alto Sertão do Apodi-RN com o plantio do algodão orgânico certificado pela ACOPASA. De acordo com a presidente da associação, a agricultora Antonieta de Souza, 65 anos, há uma grande expectativa das famílias agricultoras no sentido de agregar valor ao algodão. “Dá muito orgulho saber que a mão de obra da gente está sendo ainda mais valorizada. Eu vejo no olhar de cada um esse sentimento. Essa mudança trará um saldo importante para a gente. Tem sócios e sócias que ainda não estão acreditando”, afirma. 

Dona Antonieta de Souza, presidente da Acopasa, fala que há um orgulho por parte das famílias agricultoras com a qualificação do algodão produzido por eles e elas e destaca a expectativa com o desenvolvimento dessa iniciativa que deve agregar mais valor à produção.

Dona Antonieta trabalha no Assentamento Milagre, no município de Apodi – RN. Além dela, seu esposo e filhos também são agricultores. De pioneira na associação, ela comemora também o fato de outras mulheres também entrarem nessa produção. “A gente sente esse empoderamento das mulheres. Hoje na diretoria é meio a meio, são 6 mulheres e 6 homens. Todos trabalham de forma coletiva. Ninguém solta a mão do outro”.

Distante de viverem uma prática de monocultura, os agricultores e agricultoras que trabalham com a produção do algodão orgânico certificado também colhem alimentos sem agrotóxicos ou adubos químicos dos seus roçados, como feijão, milho e gergelim. “Produzimos também para o nosso consumo e já estamos também recebendo capacitações para fazer o beneficiamento. Produzimos também o nosso óleo com o gergelim, de forma agroecológica, com muita qualidade a partir das nossas mãos carinhosas”, contou Dona Antonieta.  

Projeto Algodão em Consórcios Agroecológicos – É uma iniciativa coordenada por Diaconia, em parceria estratégica com o FIDA/AKSSAM/UFV/IPPDS/FUNARBE e a Universidade Federal de Sergipe (UFS, Campus Sertão – Nossa Senhora da Glória) e organizações parceiras nos territórios de atuação do projeto. O projeto conta com o apoio técnico e financeiro da Laudes Foundation.

Para a execução do projeto nos territórios, a Diaconia estabeleceu parcerias com ONGS locais com experiência em Agroecologia que são responsáveis pelo assessoramento técnico para fortalecer os OPACS e a produção agroecológica. No Sertão do Piauí, é a Caritas Diocesana de São Raimundo Nonato que desenvolve as atividades na Serra da Capivara. No Sertão do Cariri, na Paraíba, o trabalho está sendo realizado pela Arribaçã. No Sertão do Araripe, em Pernambuco, as ONGS CAATINGA e Chapada assumiram conjuntamente as ações do projeto. As atividades no Alto Sertão de Alagoas e no Alto Sertão de Sergipe estão a cargo do Instituto Palmas e do Centro Dom José Brandão de Castro, respectivamente. No Sertão do Pajeú (PE) e no Oeste Potiguar (RN), territórios onde a Diaconia já mantém escritórios e atividades, ela mesma se encarrega da implementação das ações locais do projeto.