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Ao longo de uma caminhada de 4 anos, Projeto Algodão disponibiliza série de sistematizações no âmbito da gestão do conhecimento sobre o algodão agroecológico no Nordeste


Por Acsa Macena

Entre cadernos, artigos, cartilhas, e-books, vídeos e outros, são mais de 50 sistematizações disponíveis no site do projeto que servirão de base para gestores e gestoras do setor público, lideranças da agricultura familiar, estudantes e docentes do Brasil e outros países

Campo consorciado de algodão com certificação orgânica participativa no Assentamento Laranjeiras – Sertão do Araripe (PE)

Com uma trajetória que teve início em 2018, sob coordenação da ONG Diaconia, o Projeto Algodão em Consórcios Agroecológicos, em parceria com outras organizações não-governamentais e de base da agricultura familiar, além do setor acadêmico e da indústria, elaborou uma série de sistematizações que foram produzidas a partir da experiência compartilhada com agricultores e agricultoras dos sete Organismos Participativos de Avaliação da Conformidade Orgânica (OPACs) que controlam a conformidade orgânica em unidades familiares produtivas por meio do Sistema Participativo de Garantia (SPG).

Os documentos trazem contribuições para ampliar o conhecimento científico sobre as dinâmicas que envolvem o cultivo do algodão consorciado com outras culturas alimentares no Nordeste do Brasil. A série de documentos também servirá de base para outras iniciativas do país e no mundo que trabalham ou que desejem conhecer o modelo implementado pelo projeto. Segundo Fábio Santiago, coordenador do Projeto Algodão/ Diaconia, as produções refletem a primeira fase do Projeto (2018-2022), caracterizada pela expansão do cultivo do algodão agroecológico, desenvolvimento de novas cadeias produtivas, formalização dos SPGs/OPACs e disseminação da gestão do conhecimento.

“Essa fase do Projeto foi também marcada pelo avanço da “normatização” da produção de conhecimento, ou seja, elaboração de materiais do itinerário metodológico, técnico, científico, sobre a produção com certificação orgânica e acesso a mercados do algodão em consórcios agroecológicos nas UFPs. Isso é fundamental para expansão desse Projeto, haja vista as regras e boas práticas à luz da certificação orgânica nas UFPs”, considera.

Dessa forma, perpassando temáticas fundamentais sobre as organizações de base da agricultura familiar, entre as abordagens é possível destacar o protocolo de regras e boas práticas do algodão consorciado no Nordeste; resultados de pesquisas em Unidades de Aprendizagem e Pesquisa Participativa (UAPs); certificação orgânica participativa e SPG; a relação do regime de precipitação e a condução dos roçados do algodão em consórcios agroecológicos; a qualidade do solo e estoque de carbono; justiça de gênero e agricultura familiar; o avanço da cadeia de valor do algodão e dos produtos dos consórcios; orientações sobre o pós-colheita de outras culturas alimentares; gestão dos OPACs/SPGs e outros.

Para o agricultor multiplicador Almiro Costa, ligado à Associação dos/das Produtores/as Agroecológicos do Semiárido Piauiense (APASPI) e residente na comunidade de Abelha Branca, município de Paulistana -PI, os documentos irão ampliar o intercâmbio de experiências sobre as práticas das famílias agricultoras para outras regiões.

“Esses documentos fazem com que a gente tenha acesso às práticas e experiências de outros territórios, tornando também possível que as práticas do dia a dia das/os nossas/os agricultoras/es cheguem ao conhecimento de outros territórios do Semiárido. Como agricultor multiplicador, sempre procurei seguir ‘ao pé da letra’ o protocolo do algodão. Vimos que isso realmente garante a renda das famílias e que na mesma terra a gente tem uma diversidade de produtos, o que dificulta o ataque de pragas por causa dessa diversidade, além de gerar mais renda para nós”, explica.

Agricultor multiplicador Almiro Costa – Paulistana (PI)

Já para a agricultora multiplicadora Joana Darck, presidente da Associação Agroecológica do Pajeú (ASAP-PE) e residente do Assentamento Jacu, município de Sertânia, a série de documentos tem servido para promover a autonomia do conhecimento das famílias agricultoras.

“Mesmo na prática e com formações, às vezes esquecemos de alguns detalhes. E com esses documentos podemos olhar novamente e ver como pode ser feito. Isso dá mais autonomia ao agricultor e à agricultora, pois já sabemos onde buscar o conhecimento sem precisar estar ligando para alguém. Os pós-colheita já me serviram muito, principalmente o do gergelim que é uma cultura que não tínhamos o costume de plantar e foi o primeiro ano que eu consegui ter o lucro e me serviu bastante”, afirma.

Equipe de Diaconia e Presidente da ASAP Joana Darck – Assentamento Jacu/ Sertânia – PE

Já segundo Jucier Jorge, assessor técnico do Projeto Algodão/Diaconia no território do Sertão do Pajeú-PE, a disseminação do conhecimento foi fundamental não só para as famílias agricultoras, mas também para a assessoria técnica. “Os protocolos junto às formações nas Unidades de Aprendizagem e Pesquisa (UAPs) conseguiram descentralizar as informações. Assim, as famílias que fazem parte dos OPACS/SPGs tiveram acesso a todo esse passo a passo da produção em consórcios agroecológicos. Isso contribuiu tanto para as famílias quanto para a assessoria técnica, principalmente no conhecimento sobre alguns protocolos de pós-colheita de culturas que não eram tão comuns no território, como o amendoim, por exemplo”, afirma.

Gestão do Conhecimento do FIDA no Brasil – O incentivo à sistematização de experiências sobre a agricultura familiar no Nordeste brasileiro tem apoio fundamental do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), uma agência da Organização das Nações Unidas (ONU), que tem projetos executados através do AKASAAM/IPPDS/UFV/FUNARBE.  Das mais de 50 sistematizações realizadas pelo Projeto Algodão, nove foram elaboradas a partir da parceria de Diaconia e o FIDA/AKSAAM.

 O foco dos programas de Gestão do Conhecimento do FIDA está situado na identificação, sistematização e disseminação de experiências exitosas e melhores práticas associadas à convivência com o Semiárido do Nordeste.Para o oficial de programas do FIDA no Brasil Hardi Vieira, as contribuições do conjunto de áreas temáticas trabalhadas pelo Projeto Algodão já teve apoio da instituição ainda na primeira fase do antigo Projeto Dom Hélder Câmara (PDHC), e agora sob coordenação de Diaconia, espera-se continuar investindo no tema do algodão agroecológico praticado na região semiárida do Nordeste do Brasil.

“Um dos sucessos e grande êxito da parceria com a Diaconia foi transformar esse material no que chamamos de ‘gestão do conhecimento’ para que eles pudessem ganhar uma disseminação maior, um público maior e alcançar outras regiões e países. O FIDA está muito feliz com essa parceria com a Diaconia, pela qualidade e diversidade do material. Esperamos que no futuro, agora com projeto novo focado no Semiárido, possamos ainda mais aprofundar essa parceria”, afirma.

Oficial de programas do FIDA no Brasil Hardi Vieira

Segundo o coordenador do AKSSAM professor Marcelo Braga, a sistematização dos passos, processos e práticas dos agricultores e agricultoras sobre as temáticas relacionadas ao cultivo do algodão consorciado no Nordeste pelos SPGs/OPACs irá oportunizar um melhor acesso a mercados nobres e geração de conhecimento para além da região.

“Os materiais são do mais alto nível. É um conjunto que atrela a prática institucional da Diaconia, os conhecimentos da agricultura familiar e a abordagem qualificada de projetos de gestão de conhecimento como o AKSAAM. As sistematizações com certeza irão influenciar outras comunidades, não apenas produtoras de algodão agroecológico, mas com produções diversas e com as práticas agroecológicas para sua normatização e regularização. Tal processo garante o acesso a mercados mais nobres, bem como, agrega valor à produção da agricultura familiar, organizada e competitiva. Além disso, permitirá a replicação da experiência em outras regiões”, observa.

Coordenador do AKSSAM professor Marcelo Braga

Já de acordo com o supervisor de campo do AKSAAM Alex Pimentel, os documentos registram os impactos da cadeia produtiva do algodão cultivado em bases agroecológicas pela agricultura familiar no Nordeste, e tornar evidente a importância da continuidade de investimentos para a expansão da iniciativa.

“Ao retratar este processo histórico, registra-se a importância do algodão, da diversificação produtiva, do envolvimento participativo, da interlocução com diversos atores em prol da recuperação do algodão agroecológico e suas culturas consorciadas, fortalecendo o processo e reforçando a necessidade de novos investimentos para qualificar e expandir os processos de comercialização da cultura e da diversidade produtiva da agricultura familiar”.

A construção no campo e a disseminação do conhecimento – É importante situar que a estratégia para o processo de construção do conhecimento se dá a partir do “aprender fazendo”, conforme observa a assessora técnica do Projeto Algodão Juliana Melo. Além da sistematização de experiências, realização de publicações e disseminação de artigos no âmbito do Projeto, em especial sobre a precipitação e caracterização dos regimes pluviométricos nos 7 territórios, a engenheira agrônoma explica que os materiais foram organizados em torno de dois componentes operacionais do Projeto.

“Primeiro, a ‘Produção sustentável e Acesso a Mercados’, dedicado basicamente ao apoio à implementação dos consórcios agroecológicos e segundo, o ‘Fortalecimento dos OPACs/SPGs e Igualdade de Gênero’ que tem por missão o fortalecimento das organizações de base da agricultura familiar com responsabilidade de garantir a conformidade orgânica das UFPs e a busca de maiores oportunidades para mulheres e jovens”, afirma.

Além disso, a trajetória e as etapas de construção do conhecimento a partir das práticas da agricultura familiar também faz parte do aprendizado das estagiárias do Projeto. A apresentação de pesquisas participativas em importantes congressos nacionais e internacionais da área, assim como a publicação em revistas e anais de eventos serviram para expandir o conhecimento sobre o algodão em consórcios agroecológicos.

De acordo com a estudante de Engenharia Agrônoma da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e estagiária do projeto, Carolina Moreira, trabalhar com o tema da avaliação do sistema de irrigação por gotejamento de campo de produção de sementes agroecológicas no Sertão do Araripe, assim como analisar a qualidade do solo em Unidades de Aprendizagem e Pesquisa Participativa (UAPs) do projeto significa

“Trabalhei com as planilhas de solos com os dados de todas as análises realizadas a partir das coletas nos territórios: Alto Sertão Sergipano – SE, Serra da Capivara – PI, Sertão do Araripe – PE, Alto Sertão Alagoano – AL e Sertão do Pajeú – PE. Essas ações têm a finalidade de acompanhar as melhorias na qualidade de solo nas determinadas UAPs e Unidades Familiares Produtivas, firmando a necessidade da implementação e manutenção das práticas agroecológicas de manejo do solo, que conservam este recurso tão importante para a agricultura familiar”, afirma.

Juliana Melo (assessora técnica/Diaconia), Victoria Moura (estagiária/Diaconia) e Carolina Moreira (estagiária/Diaconia) durante visita de campo

Já a estagiária do projeto e estudante de Engenharia Agrônoma da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) Victoria Moura, explica que foi possível realizar os estudos e tratamentos de dados sobre os regimes de precipitação dos roçados de algodão em consórcios agroecológicos na região Semiárida, assim como de GHG (Greenhouses Gases).

“Eu coletava as anotações enviadas pelos/as técnicos/as e agricultores/as dos territórios, para tratar os dados e fazer os estudos. A partir disso foram feitos e lançados os cadernos de precipitação, em série, para cada território, intitulado ‘Sobre a relação entre o regime de precipitação e a condução dos roçados de algodão em consórcios agroecológicos’, que traz o regime pluviométrico característico do local, com uma proposta de calendário agrícola. Com o tempo também fiquei responsável pelo estudo do GHG (Greenhouses Gases), onde foram aplicados formulários para as famílias agricultoras do território do Sertão do Pajeú/PE e Serra da Capivara/PI. Seus resultados eram utilizados para apresentar e comparar os níveis de emissões dos roçados agroecológicos com a agricultura convencional, escrevendo documentos para enfatizar isso e mostrar as vantagens de se trabalhar de acordo com as bases agroecológicas”, explica.

Victoria Moura (estagiária/Diaconia), Juliana Melo (assessora técnica/Diaconia) e Carolina Moreira (estagiária/Diaconia) no XXXII Congresso Brasileiro de Agronomia (CBA), em 2021, Florianópolis/SC

Os materiais produzidos e sistematizados estão disponíveis na biblioteca exclusiva do site do Projeto Algodão (https://algodaoagroecologico.com/biblioteca-publicacoes/), organizada em seções temáticas para melhor direcionar a leitura e acesso aos documentos. A ideia é que o espaço virtual também reúna uma vasta bibliografia científica sobre o cultivo do algodão em consórcios agroecológicos.

“Além das nossas publicações, vamos disponibilizar também outros documentos sobre o campo do algodão agroecológico feitos por outros pesquisadores que trabalharam com o algodão agroecológico desde sua origem. Se você quiser conhecer sobre o tema de viabilidade econômica, geração de renda, convivência com as pragas do algodoeiro e de outras culturas, conhecimentos importantes para quem está iniciando na agroecologia, certamente encontrará nesse espaço”, diz Ricardo Blackburn, assessor técnico do projeto e um dos autores dos documentos produzidos.

Projeto Algodão em Consórcios Agroecológicos – É uma iniciativa coordenada por Diaconia, em parceria estratégica com a Universidade Federal de Sergipe (UFS, Campus Sertão – Nossa Senhora da Glória/SE). O Projeto conta com o apoio financeiro da Laudes Foundation, da Inter-American Foundation (IAF) e do FIDA/AKSAAM/UFV/IPPDS/FUNARBE. O Projeto ainda é parceiro do SENAI Têxtil e Confecção da Paraíba, e com o Projeto + Algodão – FAO/MRE-ABC/Governo do Paraguai/IBA. Para a execução do Projeto nos territórios, a Diaconia estabeleceu parcerias com ONGs locais com experiência em Agroecologia que são responsáveis pelo assessoramento técnico para fortalecer os Organismos Participativos de Avaliação da Conformidade Orgânico (OPACs) e a produção agroecológica. No Sertão do Piauí, a Cáritas Diocesana de São Raimundo Nonato desenvolve as atividades na Serra da Capivara. No Sertão do Cariri, na Paraíba, o trabalho está sendo realizado pela Arribaçã, tendo ainda a parceria com o CEOP – Território do Curimataú/Seridó da Paraíba. No Sertão do Araripe, em Pernambuco, as ONGS CAATINGA e CHAPADA assumiram conjuntamente as ações do Projeto. As atividades no Alto Sertão de Alagoas e no Alto Sertão de Sergipe estão a cargo do Instituto Palmas e do Centro Dom José Brandão de Castro (CDJBC), respectivamente. No Sertão do Pajeú (PE) e no Oeste Potiguar (RN), territórios onde a Diaconia já mantém escritórios e atividades, ela mesma se encarrega da implementação das ações locais do Projeto e parceria com CPT – RN.