Com histórico de resiliência e criada em meio à pandemia, a Associação de Certificação Orgânica Participativa Flor de Caraibeira-AL é credenciada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA)
Por Acsa Macena
A Flor de Caraibeira-AL é o primeiro Sistema Participativo de Garantia (SPG)/Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade (OPAC) do estado e poderá comercializar suas produções de origem vegetal com o selo brasileiro orgânico. Essa conquista ampliará o acesso ao mercado orgânico com agregação de valor aos produtos dos consórcios.

A agricultura familiar no Alto Sertão Alagoano tem muito o que comemorar. Isso porque a Associação de Certificação Orgânica Participativa Flor de Caraibeira agora foi credenciada como OPAC ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o MAPA, o que significa dizer que pode emitir o selo brasileiro orgânico nos produtos de origem vegetal.
A Flor de Caraibeira é formada por mais de 70 famílias agricultoras que fazem o Sistema Participativo de Garantia (SPG) funcionar na verificação da qualidade orgânica em Unidades Familiares Produtivas (UFPs). Dessas 29 receberam a autorização do MAPA. Ela é o primeiro SPG/OPAC do estado de Alagoas e tem apoio da Diaconia há cinco anos no âmbito do Projeto Algodão em Consórcios Agroecológicos, que assessora 7 SPGs/OPACs no Semiárido nordestino, dois quais seis são credenciados ao MAPA.
Desde 2017, o Projeto vem incentivando metodologias, ferramentas, estratégias e instrumentos de sustentabilidade que colocam à linha de frente agricultores e agricultoras no entendimento de funcionamento do giro do SPG e no controle da qualidade orgânica em UFPs. Segundo Ricardo Blackburn, assessor técnico da Diaconia e que acompanhou todo o processo de criação e fortalecimento da Flor de Caraibeira, a coroação desse processo pelo MAPA após dois anos na fila de espera significa autonomia e mais responsabilidade para a associação rural de certificação orgânica participativa, agora autorizada a conferir o selo brasileiro orgânico.

“Em 2017, o Projeto encontrou um ambiente propício e pessoas que tinham interesse em iniciar um SPG no território. Em 2018, iniciamos o Projeto trazendo um conjunto de metodologias e informações e conhecimentos que tornaram possível o nascimento da Flor de Caraibeira. Essa metodologia é muito importante porque é a teoria associada à prática, então todas as atividades do SPG que precisavam acontecer primeiro tinham uma formação teórica e depois esse conhecimento era aplicado na prática. Isso possibilitou às pessoas não só entenderem o processo, como também aprender a conduzir, a colocar em prática esse processo”, explica.
Ainda segundo Blackburn, o Projeto proporcionou também formação sobre SPG a partir da experiência com a Rede Ecovida de Agroecologia (primeiro OPAC e referência no país), e que tem atuação no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, levando o coordenador desse OPAC e membro do Centro Ecológico – RS o Laércio Meirelles ao território. Após acompanhar todo o processo de criação da Flor, de intercâmbios e formações, Meirelles considera que os ganhos do credenciamento poderão ser sentidos por toda sociedade.
“Eu vejo esse credenciamento como merecimento da Flor de Caraibeira. Diria mais, pela qualidade do trabalho desenvolvido pelas famílias que compõe esse grupo, esse credenciamento é, mais que merecido, lógico e necessário. Ganha a sociedade, que vê aumentada suas possibilidades de ter acesso a produtos de qualidade. Parabéns à Flor de Caraibeira, muitos anos de vida e de boas colheitas!”, afirma.

A Diaconia também firmou parceria de assessoramento técnico compartilhado com o Instituto Palmas à Flor de Caraibeira (4 anos), bem como a parceria com a Embrapa Algodão em relação aos processos de formação no campo do algodão consorciado em UFPs (2 anos). Veja a linha do tempo com os principais acontecimentos que marcaram a história da Flor de Caraibeira:
2017 – Equipe de Diaconia inicia o diagnóstico para a elaboração participativa do Projeto, a partir do histórico de grupos de produção da agricultura familiar com agroecologia e forte participação social no Colegiado do Alto Sertão Alagoano. Tudo se iniciou nesse colegiado, com duas etapas presenciais, para a construção da proposta do Projeto.


2018 – Lançamento do Projeto Algodão em Consórcios Agroecológicos e realização das formações sobre o giro do SPG (plano de manejo, caderno de campo, visitas das comissões de ética, visitas da comissão de verificação) e condução dos consórcios com o algodão, a partir do amplo processo de formação modular. A parceria do Projeto – Diaconia com o Instituto Palmas foi fundamental para o fortalecimento da Flor nos processos formativos iniciais de gestão do conhecimento, administrativos e financeiros.


2019 – O Projeto promove intercâmbio presencial entre as famílias agricultoras do Alto Sertão Alagoano e Alto Sertão Sergipano ao SPG/OPAC no território da Serra da Capivara-PI – Associação dos/das Produtores/as Agroecológicos do Semiárido Piauiense (APASPI) – já credenciado ao MAPA para trocas de experiências e aprofundamentos sobre o SPG. Neste ano, também foi iniciada a primeira rodada do giro da certificação orgânica participativa nas UFPs a partir dos instrumentos de controle da qualidade orgânica (caderno de campo e plano de manejo) pelas comissões de ética e avaliação.



2020 – Em meio a pandemia, a Diaconia e o Instituto Palmas apoiaram o processo de formação digital das famílias agricultoras que possibilitou a oficialização jurídica da Flor de Caraibeira por meio do CNPJ e a realização da primeira Assembleia Geral de forma virtual. Neste ano também foi assinado o segundo contrato para venda antecipada da safra do algodão ao mercado orgânico e comércio justo para Veja/Vert.


2021 – Foi realizado o envio da solicitação de visita da auditoria para credenciamento de 29 famílias agricultoras ligadas à Flor ao MAPA. Também foi proporcionada a realização de intercâmbios virtuais com Laércio Meirelles – Rede Ecovida de Agroecologia e Centro Ecológico.

2022 – A partir do conjunto de metodologias e ferramentas incentivas pelo Projeto, a Flor de Caraibeira avança na condução dos roçados, no giro do SPG e na experimentação de tecnologias poupadoras de mão de obra. A Diaconia realiza o primeiro contrato com a Flor de Caraibeira para fortalecimento do SPG, principalmente relacionada à gestão dos processos de verificação da qualidade orgânica.


2023: Qual a importância do credenciamento da Flor ao MAPA? – Iniciada do “zero” e atravessando a pandemia no ano de 2020, a Flor de Caraibeira se tornou um exemplo de resiliência e determinação. Com os desafios de fazer o SPG funcionar pela primeira vez no Alto Sertão Alagoano, veio a articulação de novas famílias agricultoras, a apropriação da legislação brasileira dos orgânicos e a oficialização jurídica por meio do CNPJ em novembro de 2020, conforme explica Rosana Pereira, agricultora e presidente da Flor de Caraibeira.
“Hoje estamos vivendo um momento de muita glória. Ainda em 2018, iniciamos no Projeto Algodão em Consórcios Agroecológicos por conta da nossa bandeira, visto que Alagoas já foi um grande produtor de algodão. A partir daí nós começamos a aprender a fazer o SPG através do “aprender fazendo”. No início, ninguém sabia o que era SPG e OPAC, para a gente era tudo novidade. E graças a Deus, hoje somos agricultores e agricultoras orgânicos, estamos capacitados para realizar a certificação orgânica participativa”, considera.

A auditoria do MAPA aconteceu em dezembro de 2022, momento em que foram visitadas UFPs ligadas à Flor de Caraibeira-AL. Segundo a Auditora Fiscal Federal Agropecuária do MAPA, Fabiana Góes de Almeida Nobre, entre os principais pontos de destaque foram observados o controle social exercido e a autorresponsabilidade da organização de base da agricultura familiar.
“Percebemos que o grupo é muito coeso, que exerce um controle social fazendo suas reuniões, fazendo as visitas, colaborando com o grupo e se responsabilizando por todos e todas, com seus planos de manejo, cadernos de campo, e não vimos nenhum problema no campo. Vale a pena ser orgânico. Vale a pena produzir e se manter aí, todo mundo feliz e saudável no campo. Espero que a Flor de Caraibeira alcance mais de uma centena de produtores e que tenha sucesso e vida longa”, considera.

Já de acordo com a consultora do Projeto Algodão em Consórcios Agroecológicos/Diaconia, Ana Accioly, que assessora as famílias agricultoras ligadas à Flor de Caraibeira no Alto Sertão Alagoano, o credenciamento ao MAPA significa que a ferramenta da certificação orgânica participativa é caminho fundamental para promoção da autonomia da agricultura familiar.
“Ter a primeira OPAC em Alagoas abre muitas portas não só para os agricultores e agricultoras familiares hoje associados/as da Flor, mas sobretudo para os outros/as que podem se inspirar nessa vanguarda e constituir, se organizar, formar outros SPGs/OPACs porque acreditamos que é uma legislação fundamental para a construção da autonomia e da independência, sobretudo da produção da agricultura familiar”, afirma.

Além da abertura para novas possibilidades de melhoria de renda através do mercado orgânico e comércio justo, Ana Accioly também observa que os valores imbricados na certificação orgânica participativa consideram outros ganhos que vão além do não uso de agrotóxicos na produção. “Muito além do que não colocar o agrotóxico e não usar transgênicos é um ser orgânico e estar comprometido com a causa ambiental, com a justiça social, com não ter trabalho infantil nem escravo, respeitar os direitos das mulheres, se preocupar com a juventude e com a questão da sucessão rural”, diz.

Já de acordo com Fábio Santiago, coordenador do Projeto Algodão em Consórcios Agroecológicos/Diaconia, o credenciamento pelo MAPA da Flor de Caraibeira é um marco histórico para o movimento de crescimento dos SPGs no Brasil e no mundo, por ser a primeira organização de base da agricultura familiar do estado de Alagoas autorizada à avaliação da conformidade orgânica à luz da legislação brasileira dos orgânicos.
“É um resultado importante do Projeto, pois foi possível implementar um conjunto de ações que vem a cada dia promovendo o desenvolvimento da Flor. É impressionante como os agricultores e agricultoras se envolveram com o Projeto desde 2017. Uma caminhada que evidencia que o maior investimento nas transformações sociais é investir em metodologias e instrumentos que formem as pessoas e coloquem para conduzirem seus processos em organização de base, que ligue a produção, organização e comercialização, a partir de uma assessoria técnica que os qualificam. Isso é uma força motriz para o desenvolvimento da agricultura familiar, com capacidade de acessos a mercados com agregação de valor”, afirma.

Além disso, Santiago observa que a agricultura familiar em coletivo social é um potencial de mudanças sociais e econômicas. “É a partir da produção diversificada nas UFPs que se pretendem apoiar o avanço da cadeia de valor dos demais produtos dos consórcios agroecológicos com algodão, sementes de adubação verde, frutas de época, entre outros. O desenvolvimento da Flor representa um potencial de promover uma economia circulante, que retroalimente a manutenção e inclusão social, uma produção regenerativa de paisagem pela diversificação produtiva, conservação das matas e com práticas de solo que podem promover elevados estoques de carbono. Viva a Flor de Caraibeira, vida longa”.
Projeto Algodão em Consórcios Agroecológicos – É uma iniciativa coordenada pela Diaconia e tem apoio financeiro da Laudes Foundation através do IDH – Sustainble Trade Initiative, da Inter-American Foundation (IAF), da V. Fair Trade e o Instituto Lojas Renner. No incentivo à gestão e disseminação do conhecimento, o Projeto é parceiro estratégico do FIDA/AKSAAM/UFV/IPPDS/FUNARBE e da Universidade Federal de Sergipe (UFS, Campus Sertão – Nossa Senhora da Glória/SE). Ainda é parceiro do SENAI Têxtil e Confecção da Paraíba, Projeto + Algodão – FAO/MRE-ABC/IBA/Governo do Paraguai, Programa Mundial de Alimentos (PMA) e o Projeto Algodão Agroecológico Potiguar no Rio Grande do Norte. A área de atuação é em 7 territórios e 6 estados na região semiárida do Nordeste do Brasil. Há colaboração com ONGs locais (Instituto Palmas – Alto Sertão de Alagoas, ONG Chapada – Sertão do Araripe/PE e Cáritas Diocesana de São Raimundo Nonato – Sertão do Piauí) para a expansão do cultivo do algodão consorciado e fortalecimento dos Organismos Participativos de Avaliação da Conformidade (OPACs) – Associações Rurais de Certificação Orgânica Participativa. No Sertão do Cariri, na Paraíba, o assessoramento técnico está sendo realizado pela Arribaçã, tendo ainda a parceria com o CEOP – Território do Curimataú/Seridó. No Sertão do Pajeú (PE) e Sertão do Apodi (RN), a Diaconia mantém escritórios e atividades e se encarrega da implementação das ações locais do Projeto e parceria com CPT – RN.
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