Famílias agricultoras do Sertão do Pajeú inspiram produção cultural artística de Derlon
O cotidiano das agricultoras e agricultores será transformado em livro com ilustrações de Derlon e poesias de artistas locais, a partir de residência artística sobre a importância das práticas agroecológicos do algodão em consórcios

Dos roçados do algodão em consórcios agroecológicos têm surgido a inspiração para compreender e falar sobre a prática e a cultura da agroecologia no sertão nordestino. O campo que dá vida ao algodão consorciado, agora vai gerar poesia e dela fazer prosa para o retrato de quem vive da terra. Assim, as famílias agricultoras vinculadas ao Projeto Algodão em Consórcios Agroecológicos no Sertão do Pajeú/PE, vão inspirar poetas e poetisas locais ao longo de uma semana para construção de narrativas culturais sobre o manejo do algodão agroecológico, isso com a curadoria e acompanhamento do artista pernambucano Derlon Almeida de Lima, reconhecido internacionalmente pelo trabalho de pintura muralista em diálogo com grafites de xilogravuras e valorização da cultura nordestina.
“Como a região do Pajeú é riquíssima em poesia, a minha ideia como curador do projeto foi convidar os artistas locais para participar e construirmos juntos uma obra de arte através de livro, fazendo com o que o meu trabalho vá além da pintura e que a poesia agregue valor dentro dessa residência artística, com o objetivo de mostrar aos agricultores e agricultores o quanto o trabalho delas e deles pode reverberar em obra de arte como inspiração e tema”, explica Derlon.

Somente no território do Pajeú, o Projeto coordenado por Diaconia apoia mais de 120 famílias agricultoras que integram a Associação Agroecológica do Pajeú (ASAP/PE). Dessa forma, a iniciativa busca valorizar o empenho que tem sido dedicado no cultivo e produção do algodão em consórcios agroecológicos.
“Vamos valorizar a estratégia do projeto, explicar o que significa o algodão agroecológico e transformar isso numa linguagem de poesia, fazendo com que as pessoas se inspirem a partir dos motes do projeto, sendo eles, novos produtos, acesso a mercados, conservação do solo, caatinga e valorização da agricultura familiar. Então esperamos que todos os poemas dialoguem com esses motes. Isso servirá para dar visibilidade à pluralidade da agricultura familiar aos atuais e novos parceiros que podem se inserir no apoio ao Projeto”, explica Fábio Santiago, coordenador do Projeto Algodão em Consórcios Agroecológicos/Diaconia.
A iniciativa que teve dois anos de planejamento também foi encabeçada pela empresa de calçados francesa VERT/Veja Shoes, que possui perspectiva de valorização do algodão agroecológico utilizado na produção dos tênis vendidos mundialmente. Só para se ter uma ideia, no último ano a VERT comprou do Brasil 58 toneladas de pluma de algodão agroecológico. Desta quantidade, mais de 36 toneladas vieram das famílias agricultoras vinculadas ao Projeto Algodão, o que representa mais de 63% do fornecimento total no país.
“Trabalhamos com o algodão agroecológico há mais de 15 anos no Nordeste, sempre com parcerias importantes como Diaconia, e buscamos valorizar o trabalho do agricultor e da agricultora através do comércio justo. Também sabemos que a poesia sempre fez parte da vivência das famílias agricultoras, sendo muito forte em Pernambuco. Então a residência artística é para valorização da cultura local, da convivência com o sertão e dos cultivos em consórcio com o algodão em respeito com a natureza”, afirma Violette Combe, coordenadora dos projetos ZELAR da VERT/Veja.
Já de acordo com a coordenadora territorial de Diaconia no Sertão do Pajeú, Ita Porto, a iniciativa é importante para “dar luz ao modelo de desenvolvimento territorial baseado no Bem Viver das famílias agricultoras associadas à ASAP, no âmbito do Projeto Algodão em Consórcios Agroecológicos”, afirma. Além disso, Ita considera que a realização da residência artística na semana de reflexões sobre as conquistas e desafios das mulheres traz relevantes contribuições para as agricultoras.
“Estar acontecendo esse evento na semana que se celebra as conquistas das mulheres é emblemático para nós do território que, além de ser um lugar atuante nas propostas de convivência com o Semiárido, a partir desse modelo de desenvolvimento agroecológico, também é um palco de lutas históricas de conquistas das mulheres rurais”, explica.

Valorização da cultura e artistas locais – Para que a residência acontecesse, foi realizada uma curadoria com poetas e poetisas locais que trabalham com o cordel e que apresentam sensibilidade para temáticas relacionadas à natureza. Além disso, foi observada a importância na diversidade de pessoas, sendo respeitada a equidade de gênero, diferentes idades e bairros para composição das poesias. A intenção é que a residência resulte num livro que será apresentado a todas as famílias que trabalham com o algodão em parceria com a VERT Shoes e instituições nacionais e internacionais.

Experiências imersivas para a poesia agroecológica – Ainda em 2014, uma primeira imersão artística foi realizada com Derlon em uma área de atuação do algodão agroecológico, numa comunidade chamada Riacho do Meio no sertão do Ceará. A residência resultou no projeto chamado Ouro Branco, que teve amostra fotográfica, livros e ampla divulgação. A ideia foi acompanhar o comportamento e vida das famílias e partir disso fazer os desenhos de xilogravuras nas paredes e casas a fim de dar visibilidade e reconhecimento à vida e trabalho das famílias agricultoras.

“Só conhecemos a realidade quando temos o contato presencial para entendermos melhor quem são as pessoas. Por isso, fazer residência artística traz um retorno muito mais enriquecedor para os agricultores, agricultoras e para o nosso trabalho”, afirma Derlon.

Sobre Derlon – Grafiteiro e muralista, é natural de Recife e nascido em 1985. Utiliza as características da xilogravura e investe na expressividade de traços simples e reduzidos, criando obras que valorizam as diversas culturas do Brasil, especialmente as do Nordeste. Costuma mesclar elementos da arte popular e arte contemporânea, a partir do grafite como berço de suas produções.
Se destaca em trabalhos predominantemente monocromáticos (preto e branco), com influência estética da cultura popular inspirada em cordéis. Iniciou sua carreira ainda adolescente quando experimentou intervenções urbanas pelas ruas de Recife, dedicando-se principalmente à pintura muralista.
Já criou importantes painéis em fachadas de prédios e outros. Se destacam os feitos nas cidades de Amsterdam (HOL) e Lisboa (PT), 2012. Newcastle (UK), 2013 e o mural dentro da Embaixada do Brasil em Londres (UK), 2016.


Projeto Algodão em Consórcios Agroecológicos – É uma iniciativa coordenada por Diaconia, em parceria estratégica com a Universidade Federal de Sergipe (UFS, Campus Sertão – Nossa Senhora da Glória/SE). O Projeto conta com o apoio financeiro da Laudes Foundation, da Inter-American Foundation (IAF) e do FIDA/AKSAAM/UFV/IPPDS/FUNARBE. O Projeto ainda é parceiro com o Projeto + Algodão – FAO/MRE-ABC/Governo do Paraguai/IBA. Para a execução do Projeto nos territórios, a Diaconia estabeleceu parcerias com ONGs locais com experiência em Agroecologia que serão responsáveis pelo assessoramento técnico para fortalecer os Organismos Participativos de Avaliação da Conformidade Orgânico (OPACs) e a produção agroecológica. No Sertão do Piauí, a Cáritas Diocesana de São Raimundo Nonato desenvolve as atividades na Serra da Capivara. No Sertão do Cariri, na Paraíba, o trabalho está sendo realizado pela Arribaçã, tendo ainda a parceria com o CEOP – Território do Curimataú/Seridó da Paraíba. No Sertão do Araripe, em Pernambuco, as ONGS CAATINGA e Chapada assumiram conjuntamente as ações do Projeto. As atividades no Alto Sertão de Alagoas e no Alto Sertão de Sergipe estão a cargo do Instituto Palmas e do Centro Dom José Brandão de Castro (CDJBC), respectivamente. No Sertão do Pajeú (PE) e no Oeste Potiguar (RN), territórios onde a Diaconia já mantém escritórios e atividades, ela mesma se encarrega da implementação das ações locais do Projeto e parceria com CPT – RN.
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