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“O que queremos para o futuro é buscar outros mercados para os produtos dos consórcios agroecológicos”, afirma agricultora ligada a um dos OPACs/SPGs apoiados pelo Projeto Algodão


Por Acsa Macena

Após a realização do Programa Semiárido da Porticus, que possibilitou inúmeros avanços para os SPGs/OPACs do Nordeste ao longo de 5 anos, busca-se apoios para a continuidade do movimento de acesso a mercados pela certificação orgânica participativa

Diante da vulnerabilidade socioeconômica enfrentada na região Semiárida do Brasil, onde quase metade da população está em situação de insegurança alimentar, o Programa Semiárido, iniciativa internacional desenvolvida pela Porticus, apresentou os resultados do incentivo que contribuiu diretamente para melhorar os meios de subsistência de agricultores e agricultoras da região, contemplando, sobretudo, avanços para suas respectivas associações rurais de certificação orgânica participativa.

O programa foi implementado ao longo dos últimos cinco anos pela organização holandesa que administra e desenvolve programas filantrópicos. Foram alcançadas/os mais de 1.800 agricultores e agricultoras em 7 estados do Nordeste, sendo uma cooperativa e 9 Organismos Participativos de Avaliação da Conformidade (OPACs) que controlam a qualidade orgânica em Unidades Familiares Produtivas (UFPs) por meio dos Sistemas Participativos de Garantia (SPGs).

Para isso, formou-se uma rede de parcerias de diversas organizações no Nordeste do Brasil, a exemplo da Diaconia, no âmbito do Projeto Algodão em Consórcios Agroecológicos, que apoia 7 SPGs/OPACs no Semiárido.

Entre os principais resultados do Programa Semiárido está a criação de fundos para subsidiar as atividades relacionadas ao funcionamento dos SPGs/OPACs. Essa ação foi considerada pela Diretora Regional da Porticus América Latina, Mirela Sandrini,como um importante marco de inovação social para a sustentabilidade das organizações de base da agricultura familiar, tal como a criação do Fundo de Incentivo à Autonomia Financeira (FIAF) e Fundo Rotativo e Solidário (FRS). Ademais, os SPGs/OPACs puderam acessar o Fundo de Investimento Produtivo e Ambiental (FIPA) para investimentos e custeio relacionados à produção e comercialização dos produtos das UFPs, cujo valor executado pelo Projeto foi de R$ 1.136.003,36.

No âmbito do Projeto, a prioridade para o acesso ao FIPA foi a compra de tecnologias poupadoras de mão de obra, reforma/construção de galpão, equipamentos de extração de óleos de gergelim, descaroçadora de algodão, constituição de FRS – capital de giro, custeio para as pesquisas nas UAPs, entre outras.

“A conquista da autonomia dessas famílias também perpassa pelos Fundos Rotativos Solidários. Eles não são uma única fonte, mas são uma base que materializa toda essa busca da autonomia, onde eles e elas são capazes de fazer a gestão e decidir entre os entes dessa comunidade o que é mais prioritário ou não. Essa flexibilidade é muito vital para que a autonomia dessas comunidades se sustente. É um exemplo de inovação social na prática”, afirma Sandrini.

Mirela Sandrini – Diretora Regional da Porticus América Latina. Foto: Diaconia.

Evento de avaliação do Programa Semiárido – Os principais resultados do Programa foram discutidos em um evento de avaliação realizado em Recife-PE, no mês de março (07/03), e reuniu representantes das organizações de base da agricultura familiar, setor acadêmico, indústria, comércio justo, organizações não-governamentais, além de instituições de fomento internacional como o Banco Mundial, Inter-American Foundation (IAF), FIDA/AKSAAM/UFV/IPPDS/FUNARBE, Projeto + Algodão – FAO/MRE-ABC/Governo do Paraguai/IBA.  O desenvolvimento de novas cadeias de valor pela agricultura familiar, circulação de produtos e acesso a mercados através da certificação orgânica participativa pelos SPGs/OPACs foram alguns destaques discutidos no evento.

“O que pudemos ver foi o fortalecimento dos SPGs/OPACs por meio de inúmeros instrumentos, tanto do banco de sementes, dos fundos disponíveis que eles e elas podem acessar e que constroem para as próprias organizações, as capacitações técnicas e tantas outras ações fortaleceram os SPGs/OPACs. Tem um caminho ainda a ser continuado e de novas oportunidades de fortalecimento da gestão desses organismos para que alcancem uma autonomia plena e continuem prosperando por muitos anos”, explica Maria Elisa, Consultora Sênior da H&P, responsável por conduzir a avaliação do Programa Semiárido.

Maria Elisa, Consultora Sênior da H&P, durante apresentação no evento. Recife, PE.

Já de acordo com o presidente do conselho-diretor da Diaconia, Pastor Dalcido Gaulke, o trabalho com muitas parcerias e outras entidades foi um desafio, mas especialmente, um momento de satisfação pela experiência da instituição nas áreas de segurança alimentar, hídrica e sustentabilidade. “O Projeto de consórcios de produção de alimentos e algodão está dentro de tudo aquilo que a Diaconia sempre teve e tem como objetivo. Ficamos muito felizes em saber que os agricultores e as agricultoras estão animados/as para continuar e de forma autônoma, sendo protagonistas de suas próprias histórias. Nosso objetivo é ver o Semiárido florescendo e que o povo se sinta feliz para a vida”, afirma Gaulke.

Agricultora e mobilizadora social Adeilza Procópio (ACEPAC/PB), presidente do conselho-diretor da Diaconia, Pastor Dalcido Gaulke e Fábio Santiago, coordenador do Projeto Algodão/Diaconia, durante o evento.

O Projeto Algodão teve início ainda em 2008, a partir do antigo programa governamental Dom Helder Câmara, que recebeu doação do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) para expandir  a cultura do algodão no Semiárido. Passados os anos, o pioneiro da iniciativa, Espedito Rufino, relembra o início da trajetória e se emociona com os frutos do trabalho apresentados no evento.

“Posso dizer que foi uma grande conspiração a favor dos trabalhadores e trabalhadoras, acolhida e incorporada pela Diaconia, que permitiu a criação de um modelo de consórcios agroecológicos para modificar a agricultura que era feita no Semiárido e permitir aos agricultores e agricultoras um empoderamento e domínio da cadeia produtiva e de valor que eles e elas nunca tinham tido na vida, sobretudo, as mulheres e jovens”, observa.

Espedito Rufino, ex-diretor do Projeto Dom Helder Câmara (PDHC)

O que se espera para o futuro dos SPGs/OPACs – Apesar de importantes passos já terem sido dados, os 7 SPGs/OPACs apoiados pelo Projeto Algodão buscam a continuidade de apoios financeiros para avançar no acesso a mercados com outros produtos dos consórcios agroecológicos para as prateleiras da sociedade. Para além do algodão, pretende-se acessar mercados para o óleo de gergelim, pasta de amendoim, tahine, gergelim granulado, amendoim cru e torrado, milho em grãos, feijão ensacado, frutas de época e sementes de adubação verde (girassol, cunhã, feijão de porco, lab lab, mucuna preta e cinza, crotalária juncea entre outras).

Segundo a agricultora e presidente da Associação de Agricultoras e Agricultores Agroecológicos do Araripe (ECOARARIPE/PE), Adeilma Silva, apesar da conquista da venda antecipada do gergelim e do algodão para o comércio justo, considerando inclusive os prêmios sociais e os pagamentos por serviços ambientais, ainda deseja-se ir além.

“O que queremos para o futuro é buscar outros mercados. Os nossos são locais, feirinhas e espaços de comercialização em alguns municípios. Mas hoje vemos a necessidade de uma comercialização em rede pelos SPGs/OPACs do Nordeste. Graças à Deus, já temos contrato para a venda antecipada do gergelim, mas ainda falta para as adubadeiras e outros produtos dos consórcios. Essa é a nossa visão de futuro”, explica Adeilma.

Segundo explica Fábio Santiago, coordenador do Projeto Algodão em Consórcios Agroecológicos/Diaconia, a concretização da maturidade dos SPGs/OPAS está relacionada à urgente captação de recursos para continuidade do movimento de acesso a mercados, expansão das tecnologias poupadoras de mão de obra, implantação de viveiros de mudas para biodiversidade agroflorestal e formulação de uma proposta de pagamentos de serviços ambientais pelas práticas sustentáveis que as famílias vêm contribuindo.

Novas parcerias para fortalecer as organizações – Uma grande rede de apoio tem se mobilizado para intensificar o fortalecimento das mulheres agricultoras e das juventudes, além de projetar uma recompensa  pelo trabalho de impacto socioambiental realizados pelos SPGs/OPACs. Representantes das novas parcerias que compõem a segunda fase do Projeto também participaram do evento de avaliação e apontaram suas expectativas quanto ao trabalho a ser continuado nesta nova fase (2022-2027).

Na perspectiva da comercialização, importante passo foi dado com a marca familiar Sésamo Real, que já firmou contrato para a compra de 49.500 kg de gergelim orgânico e em transição para certificação orgânica, considerando premiação social e ambiental para agricultoras e agricultores dos 7 SPGs/OPACs.

“A Sésamo Real é uma empresa beneficiadora de produtos derivados do gergelim. Recentemente firmamos uma parceria com os SPGs/OPACs apoiados pela Diaconia e para nós é uma honra porque os valores são muito alinhados com o que a Sésamo pensa sobre a questão social, ambiental e econômica da agricultura familiar”, afirma Isis Benatti, representante da empresa.

Agricultor multiplicador e tesoureiro da Associação de Agricultoras e Agricultores Agroecológicos do Araripe (ECOARARIPE), Edjunho Tavares e Isis Benatti, da marca familiar Sésamo Real,  durante exposição de produtos no evento. Recife, PE.

Segundo a gerente de programas da IDH Brasil, Nathália Monea, já está em curso desde o ano passado uma parceria com a Fundação Laudes para um projeto de 5 anos no Semiárido. “Nós vamos desenvolver três pactos no Sertão do Pajeú-PE, Sertão do Cariri-PB e Sertão do Apodi-RN. Esses pactos olham para os territórios na perspectiva de produção sustentável, conservação ambiental e inclusão. E para todo esse trabalho temos ao lado a parceria da Diaconia, a WRI E a NetCap para desenvolver essa proposta que vem das comunidades locais”, explica.

Já na perspectiva de fortalecimento das questões de gênero, a gestora do Instituto Lojas Renner, Fabíola Lima, também afirma a pretensão de contribuir para o desenvolvimento das lideranças femininas dentro dos SPGs/OPACs. “Começamos uma parceria com a Diaconia no final do ano passado. O tema do algodão orgânico é muito importante para o Instituto, já trabalhamos com ele desde 2017. Mas essa parceria com a Diaconia vem para a gente evoluir e expandir para outras áreas, além de trazer muito forte o tema que é o propósito do Instituto: o protagonismo feminino e, principalmente, o desenvolvimento das lideranças femininas dentro dos OPACs”, afirma Fabíola.

Gestora do Instituto Lojas Renner, Fabíola Lima, durante o evento em Recife-PE.

Na mesma linha, a marca de calçados franco-brasileira Veja/Vert possui o departamento Zelar, cujo foco é cuidar das agricultoras e agricultores das associações parceiras. Também busca-se trazer um olhar especial para as mulheres e juventude, além da valorização por serviços ambientais. “O protagonismo das mulheres tem se mostrado cada vez mais importante. Já a juventude, através da inclusão digital e ferramentas online, podem contribuir na gestão diária dos seus SPGs/OPACs. Também queremos trabalhar com a questão dos créditos de carbono, digamos que é um novo produto que os SPGs/OPACs oferecerão daqui para frente, para além do algodão e dos produtos dos consórcios. Isso está sendo considerado nessa segunda fase do Projeto”, afirma Carlos Lopes do Zelar.

Isis Benatti (Sésamo Real), Carlos Lopes (Veja/Vert) e Fabíola Lima (Instituto Lojas Renner) durante o evento em Recife-PE.

Já na perspectiva de compartilhar experiências e metodologias desenvolvidas pelo Projeto Algodão ao longo dessa trajetória, a coordenadora do projeto +Algodão da FAO, Adriana Gregolin, reforça que esse conjunto de expertises servirá de referência para a América Latina. “Nossa expectativa é que nos próximos 5 anos possamos ampliar a cooperação com todas as inciativas que estão acontecendo no Semiárido brasileiro, com todo esse acúmulo que Diaconia com suas parceiras estão implementando, especialmente no tema dos estudos e de levar as boas práticas do algodão em consórcios agroecológicos no Semiárido para outros países na América Latina “, diz.

Coordenadora do projeto +Algodão da FAO, Adriana Gregolin, e  Leonardo Bichara (Banco Mundial) durante o evento em Recife-PE.

Além dos esforços já em curso para um trabalho em rede, espera-se que outras iniciativas se somem para apoiar o Projeto.

Projeto Algodão em Consórcios Agroecológicos – É uma iniciativa coordenada por Diaconia, em parceria estratégica com a Universidade Federal de Sergipe (UFS, Campus Sertão – Nossa Senhora da Glória/SE). O Projeto conta com o apoio financeiro da Laudes Foundation em parceria com o IDH – Sustainble Trade Initiative, da Inter-American Foundation (IAF), do FIDA/AKSAAM/UFV/IPPDS/FUNARBE, da V. Fair Trade e o Instituto Lojas Renner (IR). O Projeto ainda é parceiro do SENAI Têxtil e Confecção da Paraíba, e com o Projeto + Algodão – FAO/MRE-ABC/Governo do Paraguai/IBA. Para a execução do Projeto nos territórios, a Diaconia estabeleceu parcerias com ONGs locais com experiência em Agroecologia que são responsáveis pelo assessoramento técnico para fortalecer os Organismos Participativos de Avaliação da Conformidade Orgânico (OPACs) e a produção agroecológica. No Sertão do Piauí, a Cáritas Diocesana de São Raimundo Nonato desenvolve as atividades na Serra da Capivara. No Sertão do Cariri, na Paraíba, o trabalho está sendo realizado pela Arribaçã, tendo ainda a parceria com o CEOP – Território do Curimataú/Seridó da Paraíba. No Sertão do Araripe, em Pernambuco, as ONGS CAATINGA e CHAPADA assumiram conjuntamente as ações do Projeto. As atividades no Alto Sertão de Alagoas e no Alto Sertão de Sergipe estão a cargo do Instituto Palmas e do Centro Dom José Brandão de Castro (CDJBC), respectivamente. No Sertão do Pajeú (PE) e no Oeste Potiguar (RN), territórios onde a Diaconia já mantém escritórios e atividades, ela mesma se encarrega da implementação das ações locais do Projeto e parceria com CPT – RN.