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Dos roçados às prateleiras: entenda por que o acesso ao mercado orgânico e justo é fundamental para a agricultura familiar


Apesar de alimentar mais de 70% da população brasileira, os produtos com a marca de organizações de base da agricultura familiar ainda enfrentam desafios para chegar às prateleiras de pequenos, médios e grandes mercados

Suyane Lino, jovem rural ligada à ACOPASA/RN e Maria Cândida, agricultora multiplicadora ligada à ACOPASA/RN

Do roçado às prateleiras, os alimentos com certificação orgânica participativa, produzidos por famílias agricultoras do Semiárido nordestino, apoiadas pelo Projeto Algodão, marcaram presença na 1ª Feira Nordestina da Agricultura Familiar e Economia Solidária, que aconteceu em Natal/RN, nos dias 15 a 19 de junho/2022.

Além de reunir agricultores e agricultoras com representações de cooperativas e associações, gestores públicos, movimentos sociais e outros, o evento refletiu os desafios de acesso a mercados para os alimentos da agricultura familiar em espaços de alcance público, muito embora seja responsável por mais de 70% da alimentação da população brasileira.

Tal desafio tem sido colocado para próxima fase do Projeto Algodão em Consórcios Agroecológicos, coordenado por Diaconia, que já apoia sete Organismos Participativos de Avaliação da Conformidade Orgânica (OPACs) distribuídos no Semiárido nordestino, desde o plantio até a comercialização justa de seus alimentos.

“Para a gente, também é importante o alcance de outros mercados, onde a rede dos OPACs possa apresentar seus produtos em grande escala, em uma escala maior para as prateleiras de fato, para as grandes redes de mercado, de extensão, de apresentação do produto orgânico”, afirmou Risoneide Lima, coordenadora territorial de Diaconia no Oeste Potiguar (RN).

Maysa Motta Gadelha, presidente do Instituto Casaca de Couro; Risoneide Lima, coordenadora territorial de Diaconia no Oeste Potiguar (RN) e Suyane Lino, jovem rural ligada à ACOPASA/RN

Sendo assim, para além do algodão com certificação orgânica participativa, que já tem venda garantida, a participação na 1ª Fenafes representou um passo efetivo para o avanço da comercialização das nove linhas dos produtos dos consórcios agroecológicos, além de sementes de plantas de adubação verde e outros.

Com a participação piloto de representantes de três OPACs, que realizam o controle da qualidade orgânica no Sertão do Apodi (RN), Alto Sertão Sergipano (SE) e Sertão do Araripe (PE), foram comercializados mais de 160 produtos, gerando uma receita bruta total de mais de R$4.000,00 para as organizações rurais de base da agricultura familiar.

Para o coordenador do Projeto Algodão em Consórcios Agroecológicos/Diaconia, Fábio Santiago, “além da comercialização do óleo de gergelim, tahine, pasta de amendoim, gergelim granulado, amendoim cru e torrado, esse é o início de outras possibilidades, como as frutas de épocas, que podem levar o selo brasileiro orgânico. Estamos na era que a sociedade quer saber de onde vem os produtos e a preferência de alimentos saudáveis e sustentáveis.  E isso vai gerar uma mudança completa no impacto da geração de renda, que vai potencializar fluxos mais frequentes de entrada de recursos para esses OPACs, além do algodão”, afirma.

Fábio Santiago, coordenador do Projeto Algodão/Diaconia; Adeilma Silva – Tesoureira da ECOARARIPE/PE e Pedro Nogueira, agricultor multiplicador ECOARARIPE/PE

Além da circulação de mercadorias, entre trocas de produtos com outros agricultores e agricultoras e a própria venda direta aos consumidores e consumidoras, o espaço abriu possibilidades de acesso a outros tipos de mercados varejistas. “Visitando o estande, nos chamou a atenção a qualidade dos produtos com certificação orgânica. Nós estamos levando algumas amostras desses produtos para expor lá no nosso Armazém da Central da Caatinga em Juazeiro – BA. Então, a gente vai fazer um trabalho de degustação com esses produtos e não tenho dúvida que, pela qualidade de rótulo e embalagem, esses produtos vão entrar nos gostos do povo de Juazeiro”, afirmou Dailson Santos, gerente de mercados privados da Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá (COOPERCUC), do estado da Bahia.

Outra conquista importante foi a abertura para comercialização dos produtos orgânicos nos mercados da região do Apodi-RN. Segundo Fátima Torres, presidente da União das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária do Rio Grande do Norte – UNICAFES/RN, pouco se sabia que o estado tem produção de gergelim orgânico fracionado, já com embalagem e venda direta pelo agricultor e agricultora. Segundo ela, isso pode possibilitar o avanço da cadeia de valor e dar fluxo aos produtos para o varejo.

“Sair da venda do saco de 60kg para vender fracionado agrega valor. A grande surpresa é que as pessoas não sabem que o RN produz gergelim orgânico, porque os que chegam fracionados nos supermercados vem do Sul. Então acho que ter uma marca da agricultura familiar já é um avanço muito grande. Ficamos com uma parte dos produtos da ACOPASA  da feira para colocarmos nos espaços das cooperativas. Nós temos uma bodega em Apodi-RN, um box na central da agricultura familiar e temos um parceiro em Mossoró – RN. A ideia é apresentar esse produto aos consumidores e consumidoras. Além disso, levamos ao encontro de negócios onde tem vários supermercados e já ficou uma amostra com a equipe do Nordestão que se interessou pelo gergelim orgânico”.

Consumidora visitando o stand da ACOPASA/RN na 1ª Fenafes/RN

A qualidade dos produtos orgânicos também foi sentida por consumidores e consumidoras. “É importante que a gente esteja prestigiando eventos como esse, mas principalmente no dia a dia, passando a comprar cada vez mais o alimento saudável, sustentável, que é produzido pela agricultura familiar”, afirmou o professor aposentado Luíz Souza.

Segundo o agricultor multiplicador Pedro Nogueira, da Associação de Agricultoras e Agricultores Agroecológicos do Araripe (ECOARARIPE), a experimentação do protocolo de regras e boas práticas do algodão com certificação orgânica participativa foi fundamental para a garantia do cultivo dos alimentos oriundos dos consórcios. “Para chegar aqui, temos um trabalho. Tivemos que seguir um protocolo para poder ser orgânico. Às vezes a pessoa pode até achar caro, mas caro foi o trabalho que nós tivemos, né? Então, para nós é uma grande conquista estarmos aqui”, diz.

Pedro Nogueira, agricultor multiplicador ECOARARIPE/PE

Já a agricultora multiplicadora Maria Dilvânia, vinculada à Associação de Certificação Orgânica Participativa do Sertão do Apodi – ACOPASA/RN, se emocionou ao ver a receptividade das pessoas com os alimentos expostos na 1ª Fenafes. “Além de estarmos mostrando os nossos produtos, o pessoal está degustando, sentindo o sabor. Isso é muito, muito gratificante”.

Maria Cândida, agricultora multiplicadora ACOPASA/RN; Ivan José, agricultor multiplicador ACOPASA/RN e Maria Dilvânia, agricultora multiplicadora ACOPASA/RN

Certificação orgânica participativa e apoios – A garantia de que o produto atende ao conjunto de requisitos da conformidade orgânica é realizada através dos Sistemas Participativos de Garantia (SPGs), que é gerenciado pelos Organismos Participativos de Avaliação de Conformidade Orgânica (OPACs). Sendo assim, com a missão de aproximar famílias agricultoras aos mercados dos produtos agrícolas com selo brasileiro orgânico, o Projeto Algodão possibilita formações, assessoria técnica, disponibilização de equipamentos e outros recursos para impulsionar a geração de renda, favorecer uma melhor convivência das famílias com o Semiárido nordestino, além de facilitar a agregação de valor dos produtos dos consórcios agroecológicos. Isso tudo tem como objetivo desenvolver uma economia inclusiva, circular e regenerativa com participação da agricultura familiar.

Prateleira com alimentos com certificação orgânica participativa no stand da ACOPASA na 1ª Fenafes/RN

“Ver os produtos, a matéria-prima oriunda da agricultura familiar que acompanhamos no dia a dia, com capacitações e inclusão de boas práticas de beneficiamento, ver na prateleira é a concretização de todo esse trabalho”, afirmou o professor Maycon Reis, da Universidade Federal de Sergipe/ Campus Nossa Senhora da Glória (UFS), que acompanha as famílias do Alto Sertão Sergipano junto à equipe técnica da universidade.

Apesar da Associação de Certificação Orgânica Participativa de Agricultores e Agricultoras do Alto Sertão de Sergipe (ACOPASE) ainda buscar o credenciamento junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), para Bayne Ribeiro, assessora técnica do Centro Dom José Brandão de Castro (CDJBC), é gratificante ver o resultado do trabalho que é realizado no campo. “Fico muito feliz em saber que a gente sai de um trabalho diário de construção coletiva, que a gente consegue sair desde processos formativos de organização e gestão social, produção, roçado agroecológico e prateleira”, afirmou.

Iva de Jesus, agricultora multiplicadora e presidente da ACOPASE

Segundo Iva de Jesus, agricultora multiplicadora e presidente da ACOPASE, “a feira tem esse peso e significado, da gente trazer os nossos produtos para cá, conhecer outras experiências e a gente estar junto somando as nossas forças enquanto agricultor e agricultora camponeses”, afirmou.

Como reconhecimento da atuação junto às organizações de base da agricultura familiar, tanto no âmbito da sistematização do conhecimento quanto na construção de saberes que se dá de forma coletiva, o Diretor de país do FIDA no Brasil Claus Reiner, apontou a possibilidade de fortalecimentos do projeto no futuro. “Esse projeto tem produzido muito potencial para essas famílias e mais potencial para outras famílias que poderiam adotar esse sistema de uma produção diversificada em que se produz com uma sequência lógica e científica e, ao mesmo tempo, uma boa conexão com os compradores e compradoras dos produtos. Então, parabéns para a Diaconia. Para esse projeto, o FIDA está esperando poder continuar uma atividade com o algodão integrado numa convivência com o Semiárido também no futuro”, afirmou.

Claus Reiner, Diretor de país do FIDA no Brasil e do escritório de Cooperação Sul-Sul e Trilateral

Projeto Algodão em Consórcios Agroecológicos – É uma iniciativa coordenada por Diaconia, em parceria estratégica com a Universidade Federal de Sergipe (UFS, Campus Sertão – Nossa Senhora da Glória/SE). O Projeto conta com o apoio financeiro da Laudes Foundation, da Inter-American Foundation (IAF) e do FIDA/AKSAAM/UFV/IPPDS/FUNARBE. O Projeto ainda é parceiro do SENAI Têxtil e Confecção da Paraíba, e com o Projeto + Algodão – FAO/MRE-ABC/Governo do Paraguai/IBA. Para a execução do Projeto nos territórios, a Diaconia estabeleceu parcerias com ONGs locais com experiência em Agroecologia que são responsáveis pelo assessoramento técnico para fortalecer os Organismos Participativos de Avaliação da Conformidade Orgânico (OPACs) e a produção agroecológica. No Sertão do Piauí, a Cáritas Diocesana de São Raimundo Nonato desenvolve as atividades na Serra da Capivara. No Sertão do Cariri, na Paraíba, o trabalho está sendo realizado pela Arribaçã, tendo ainda a parceria com o CEOP – Território do Curimataú/Seridó da Paraíba. No Sertão do Araripe, em Pernambuco, as ONGS CAATINGA e CHAPADA assumiram conjuntamente as ações do Projeto. As atividades no Alto Sertão de Alagoas e no Alto Sertão de Sergipe estão a cargo do Instituto Palmas e do Centro Dom José Brandão de Castro (CDJBC), respectivamente. No Sertão do Pajeú (PE) e no Oeste Potiguar (RN), territórios onde a Diaconia já mantém escritórios e atividades, ela mesma se encarrega da implementação das ações locais do Projeto e parceria com CPT – RN.