No Peru, agricultora ligada à associação de certificação orgânica participativa (ECOARARIPE/PE) do Semiárido nordestino participa de Seminário Latino-Americano de SPG
Por Acsa Macena
O encontro resultou na elaboração de uma carta que aponta novas reflexões sobre os SPGs de diferentes realidades latino-americanas, assim como a importância do seu fortalecimento, sobretudo, para a sociedade em geral a partir da produção de alimentos saudáveis.

Os desafios enfrentados pelos Sistemas Participativos de Garantia (SPGs) da América Latina foi capaz de reunir 64 representantes de SPGs (55% mulheres) de 12 países, sendo 11 da América Latina e Itália. O evento foi organizado pela Associação Nacional de Produtores Ecológicos do Peru (ANPE Perú), entre os dias 16 e 20 de outubro, na cidade de Tarapoto, capital da Província de San Martín, Amazônia peruana.
Mais do que nunca, o Seminário Latino-Americano de SPG reverberou a necessidade da consolidação de uma “agricultura orgânica democrática e inclusiva”, conforme explica Laércio Meirelles, agroecólogo, escritor e coordenador do OPAC Ecovida/RS. “Os desafios dos SPGs não são diferentes dos que enfrentamos e buscamos uma agricultura mais saudável e justa em nosso continente. Uma pressão política e econômica das gigantescas indústrias petroquímicas que seguem na conhecida estratégia de criar dificuldades para vender facilidades, bem como pouco apoio na forma de políticas públicas”, explica.


Para representar a experiência dos SPGs/OPACs do Nordeste do Brasil, a agricultora e a presidente da Associação de Agricultoras e Agricultores Agroecológicos do Araripe (ECOARARIPE/PE), Adeilma Silva, participou do evento e explicou o quanto o cenário brasileiro em sua atuação em rede tem a contribuir. “Ao ver outras experiências, percebi que estamos ainda em primeiro lugar em nível de SPG. Nós do Brasil nos conhecemos e somos o único que temos uma rede de SPG e isso gerou muita surpresa no Peru. Vi que ainda falta muito diálogo entre os SPGs de lá. Mas nós nos conhecemos e trocamos experiências e com isso nos fortalecemos”, observa.

A experiência de mais de uma década dos SPGs no Brasil apresenta lições sobre os benefícios da regulamentação, mas sem deixar de considerar os desafios existentes. “A legislação brasileira não conseguiu plasmar no papel a diversidade, dinâmica e características locais dos SPGs, dificultando assim um funcionamento que mantenha a lógica da simplicidade que é um dos seus princípios básicos. Esse aprendizado é um ponto nos debates com outros países, para que SPGs de outros países possam estar cientes das vantagens e desvantagens da relação com o Estado”, afirma Meirelles.

Já a importância do trabalho das mulheres e o reconhecimento do potencial da juventude no campo também foram algumas das experiências compartilhadas por Adeilma Silva como estratégias fundamentais para o desenvolvimento do SPG. “Antes a mulher ficava na cozinha o tempo inteiro durante as atividades do SPG, então ela não tinha tempo nem participação. Então nós mudamos isso para que a mulher não fique o dia inteiro no fogão porque ela também precisa participar. Também pautamos nas nossas reuniões a importância da divisão de tarefas e conseguimos três jovens que estão na linha de frente do nosso SPG”, explica Adeilma.
Conforme observa o coordenador do Projeto Algodão em Consórcios Agroecológicos/Diaconia, que acompanha 7 SPGs no Semiárido do Nordeste do Brasil, o SPG é uma “invenção brasileira” que se expandiu para cerca de 100 países em mais de uma década, numa perspectiva de diálogo com a sociedade à luz de um movimento que preza no controle da qualidade orgânica, segurança alimentar e a democratização de acesso a mercados com alimentos saudáveis pela agricultura familiar.
“Esse movimento precisa a cada ano ganhar força social de integração entre os SPGs na América Latina e no mundo. Assim sendo, junto com a sociedade é possível levar as pautas de fortalecimento dos SPGs para os governos em direcionar políticas públicas para o fortalecimento de um modelo que coloca na linha de frente pessoas que produzem alimentos saudáveis para uma sociedade que cada vez mais precisa desse acesso, além de contribuições para o clima com menor pegada de carbono e promover maior circular de riqueza na base da pirâmide da sociedade brasileira”, afirma Santiago.
Ainda segundo Santiago, “o fortalecimento dos SPGs em nível de América Latina é estratégico. Isso precisa ganhar visibilidade e investimento em vários componentes para uma agricultura regenerativa de produção de alimentos sem qualquer uso de produtos químicos sintéticos manufaturados. Nesse contexto, a participação da presidente da ECOARARIPE/PE ao encontro dos SPGs em Tarapoto – Peru – significa que estamos nos unindo para essa pauta que é mundial. Estamos em busca de financiamento para realizar um encontro dos SPGs da América Latina no Semiárido do Nordeste do Brasil. Isso é estratégico para manter a pauta de integração com a sociedade e visibilidade de como os SPGs podem ser uma fortaleza para a produção de alimentos saudáveis e acesso a mercados, uma vez que o fortalecimento dos SPGs é uma entrega não só para as famílias agricultoras, mas para a sociedade em geral”, considera.
Carta de Tarapoto 2023 – O encontro resultou na elaboração de uma carta que aponta novas reflexões sobre os SPGs de diferentes realidades latino-americanas, que pode ser acessada no seguinte link: https://laerciomeirelles.blogspot.com/2023/10/carta-de-tarapoto-20-de-outubro-de-2023.html?m=1. Meirelles observa que é a primeira vez que em uma carta do Foro latino-americano de SPGs aparece explicitamente a necessidade de os SPGs estarem atentos para serem, também eles, uma esfera de luta contra a violência doméstica. “Partimos do pressuposto que um produto não pode ser considerado orgânico se traz junto o sangue da violência que pode até descambar para o feminicídio. Lutar contra essa realidade é obrigação de todos, e os SPGs não podem se omitir”, afirma.

Projeto Algodão em Consórcios Agroecológicos – É uma iniciativa coordenada pela Diaconia e tem apoio financeiro da Laudes Foundation através do IDH – Sustainble Trade Initiative, da Inter-American Foundation (IAF), da V. Fair Trade e o Instituto Lojas Renner. No incentivo à gestão e disseminação do conhecimento, o Projeto é parceiro estratégico do FIDA/AKSAAM/UFV/IPPDS/FUNARBE e da Universidade Federal de Sergipe (UFS, Campus Sertão – Nossa Senhora da Glória/SE). Ainda é parceiro do SENAI Têxtil e Confecção da Paraíba, Projeto + Algodão – FAO/MRE-ABC/IBA/Governo do Paraguai, Programa Mundial de Alimentos (PMA) e o Projeto Algodão Agroecológico Potiguar no Rio Grande do Norte. A área de atuação é em 7 territórios e 6 estados na região semiárida do Nordeste do Brasil. Há colaboração com ONGs locais (Instituto Palmas – Alto Sertão de Alagoas, ONG Chapada – Sertão do Araripe/PE e Cáritas Diocesana de São Raimundo Nonato – Sertão do Piauí) para a expansão do cultivo do algodão consorciado e fortalecimento dos Organismos Participativos de Avaliação da Conformidade (OPACs) – Associações Rurais de Certificação Orgânica Participativa. No Sertão do Cariri, na Paraíba, o assessoramento técnico está sendo realizado pela Arribaçã, tendo ainda a parceria com o CEOP – Território do Curimataú/Seridó. No Sertão do Pajeú (PE) e Sertão do Apodi (RN), a Diaconia mantém escritórios e atividades e se encarrega da implementação das ações locais do Projeto e parceria com CPT – RN.
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